sexta-feira, 5 de novembro de 2010

JORGE MAUTNER - PARA ILUMINAR A CIDADE _ 1972


(Link no título da postagem)

Nas últimas 2 semanas andei escutando, com bastante intensidade, uma galerinha aí que me chamou a atenção. A rapaziada esperta que faz música com alegria desde a década de 70, ainda hoje chama a atenção pela personadidade e diversidade de estilo e arranjos. Jards Macalé, Jorge Mautner, Walter Franco são os que tem me tocado mais.
Poesia, desconstrução, música, liberdade e sensibilidade, são algumas palavras que servem para descrever o que sinto ao ouvir as músicas.
Vou fazer seguidas postagens com o link para downloads dos álbuns desta galera.
Estou postando o álbum do Jorge Mautner, "para iluminar a cidade" 1972, este sim está me deixando louco, todas as músicas do álbum andam passando pelos meus ouvidos ao mínimo uma vez por dia, recomendado tranquilamente.
Nada mais a dizer! Baixem aí! Link no título!

sábado, 30 de outubro de 2010

Poesia sem título

Já fui poeta um dia, eu até escrevia!
Combinava palavras e canções, cantava...
Não tinha medo de escrever, e nem de ler,
Xingava quem discordava e até brigava.

Palavras combinadas e misturadas com saladas,
Azeda, morna, leve, pura, e falsa.
Sem calça. Palavras misturadas gritadas.
Perturbavam. Isso sim.

No entanto parece que o mundo parou,
O frio entrou e as palavras não saem mais.
Análise tática e técnica que torturam o grito.
Não escrever a sua idiotice, depois de perder a forma.

E não é que tudo pára?
As palavras são travadas por análises mutantes.
Constantes análises, surtantes e fumantes.
Análises mútuas.

Agora. Independências de todas as idiotices,
Sistematicamente sem sistema algum, as caretices.
Que entrem em cena como um autêntico circense
Legalizando a liberdade das réus palavras.

Parece que o inverno me tocou, dentro.
Vem verão, paciência!

GZ

sábado, 23 de outubro de 2010

palavras presas



pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra presa
palavra boa é palavra líquida
escorrendo em estado de lágrima


lágrima é dor derretida
dor endurecida é tumor
lágrima é alegria derretida
alegria endurecida é tumor
lágrima é raiva derretida
raiva endurecida é tumor
lágrima é pessoa derretida
pessoa endurecida é tumor
tempo endurecido é tumor
tempo derretido é poema


palavra suor é melhor do que palavra cravo
que é melhor do que palavra catarro
que é melhor do que palavra bílis
que é melhor do que palavra ferida
que é melhor do que palavra nódulo
que nem chega perto da palavra tumores internos
palavra lágrima é melhor
palavra é melhor
é melhor poema


receita para arrancar poemas presos:

você pode arrancar poemas com pinças
buchas vegetais. óleos medicinais
com as pontas dos dedos. com as unhas
com banhos de imersão
com o pente. com uma agulha
com pomada basilicão
alicate de cutículas
massagens e hidratação

mas não use bisturi nunca
em caso de poemas difíceis use a dança.
a dança é uma forma de amolecer os poemas
endurecidos do corpo.
uma forma de soltá-los
das dobras dos dedos dos pés. das vértebras
dos punhos. das axilas. do quadril

são os poema cóccix. os poema virilha
os poema olho. os poema peito
os poema sexo. os poema cílio


viviane mosé

poemas do livro pensamento do chão, poemas em prosa e verso.
reproduzidos sob autorização da autora.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Uma grande confusão

-Puta que pariu, agora é isso todo dia! Dispara Seu Arlindo, na volumosa fila do ônibus numa manhã chuvosa de terça-feira.
-Isso porque você não olhou pra trás, vê só.
-Que isso Tadeu, agora deu até pra engarrafar? Pergunta o espantado seu Arlindo.
- Se fosse só isso. Retruca Tadeu mostrando ao amigo uma senhora gorda no ônibus da frente tentando passar seu cartão de gratuidade na roleta emperrada. – Olha ali!
-Que isso?- Alá dona Jane, que coisa, ela está emperrada na roleta. E agora?
-Nem sei, só sei que essa fila não anda e o nosso ônibus, com esse coitado cobrando, não sai daqui tão cedo.
-Também Tadeu, o cara ta no segundo dia fazendo isso, ele nem sabe mexer com dinheiro, a parada dele é outra, nem tem culpa.
- Será que está ganhando dobrado?
-Sei lá, pouco me importa. Responde um pouco bravo seu Arlindo.
Depois de pensar alguns instantes, seu Arlindo repara o rosto de Tadeu molhado da chuva fina e dispara:
-Claro que não está ganhando dobrado Tadeu, e claro que me importa, você acha que compraram essas porcarias de ônibus para dobrar o salário do motorista? As empresas é que estão ganhando mais com o salário do cobrador que eles mandaram embora, o pobre do trocador. O que ele deve estar fazendo agora? Catando latinha? Recebendo a miséria dos anos trabalhados e bebendo cachaça pra esquecer o desemprego? E esse motorista? Agora se fudendo todo pra cobrar e dirigir, que porra é essa? E a passagem ainda aumenta? É só pra fuder com a gente mesmo, é tudo pra fuder com a gente mesmo.
-Tá você reclamando de novo né seu Arlindo, tu não tem o que falar não?Já estou nessa fila a mais tempo que você e estou comportadinho. Deve ser por que o seu time perdeu né? Grita sorrindo lá da frente da fila, João, carregando consigo sua bolsa de ferramentas.
-Cala boca, ce nem sabe do que eu to falando, não tem que se intrometer não.
-É isso mesmo seu Arlindo, to com João, e não abro. Ao invés de ficar reclamando porque não vai ajudar a Dona Jane que ta presa na roleta? Dispara Carla, uma moça que estava atrás de seu Arlindo na fila do ônibus.
-Agora ce vê , sou obrigado a ouvir isso? Por que é que você não vai ajudar a Dona Jane? Tá cansada? Dispara Sr. Arlindo.
-Eu não, vou perder meu lugar aqui na fila.
-Então cala a boca. Grita seu Arlindo para Carla que fez uma careta para ele e abaixou a cabeça. Seu Arlindo, muito nervoso vira-se para Tadeu e dispara.
-Está vendo Tadeu, eu sou obrigado ao ouvir isso, sabe por quê? Seu Arlindo começa a aumentar o seu tom de voz e virar para as pessoas que estão na fila. -Porque eu estou inconformado com esse caos total logo de manhã, indo pro meu trabalho. Não sou obrigado a aceitar tomar no cu como vocês. Pra vocês tudo está certo né? O time ta ganhando, o filme ta passando o programinha da globo ta despertando e ainda tem vacina na igreja domingo. Pois bem, hoje é o segundo dia que esses motoristas viraram cobradores e estamos fudidos se isso continuar. Olha esse trânsito, olha esse ônibus que não sai daqui, olha essa fila, olha essa chuva chata na cara da gente. Hoje eu vou chegar atrasado e tomar uma advertência na empresa, amanhã, junto com vocês, eu vou ter que acordar mais cedo, seus burros, eu to falando sério. E esse motorista coitado? O motorista. Ta fudido como nós.
-Eu tenho pena desses motoristas, grita senhor bigode na parte da frente da fila. - Vamos falar com ele coitado, e outra, se continuar assim, a gente que vai ter que acordar mais cedo mesmo, isso é verdade.
Depois da conclusão explícita do bigode, as pessoas na fila começaram a concordar com seu Arlindo, e propor soluções para o problema.
-É isso aí seu Arlindo!
-Vamos fazer um abaixo assinado e entregar pro dono da empresa! –Que nada, vamo lá pessoalmente. – Vamos fazer uma passeata? –Eu proponho esperar. –Eu também. – Eu também. –Eu também. –Que nada, queimaremos uns ônibus. – Vamos todos andar de trem para não dar mais dinheiro pra eles. – Idéia boa, assim eles vão quebrar. – Vamos invadir o ônibus, daí não precisa de trocador mesmo. – Vamos todos comprar um carro, andar a pé,de bicicleta, sei lá.
-Chega disso gente, chega. Chega.....Chegaaaaaaaaaaa. Calem a boca, quem começou toda a discussão foi o seu Arlindo. Deixa ele falar. Seu Arlindo, a gente pode fazer o que?
-É mesmo Arlindo, a gente pode fazer o que? Só esperar?
-Que nada, hoje vou falar com esse motorista. Responde seu Arlindo agora com um ar confiante e uma postura de líder. Essa porra já não deu certo e a gente pode ajudar. Cê vai ver.
-Vambora aí gente, tentem pagar com o dinheiro trocadinho pra me ajudar aqui, cooperem aí. Grita da sua poltrana o motorista e cobrador Abdias.
Neste instante observa-se que a fila começa a andar. As pessoas afoitas para entrarem no ônibus e chegarem ao seu trabalho correm contra o tempo com medo do neoliberalismo, que dizem ser um sujeito que amedronta as pessoas, ameaçando colocar outras pessoas mais espertas, trabalhando mais e ganhando menos, no seu lugar. Enfim, o tempo era curto e as pessoas apressadas foram contando os centavos para ajudar o pobre motorista/cobrador a agilizar o troco e todo o processo de sua dupla jornada instantânea.
Observa-se ali uma cena pouco cotidiana: Dona Jane se solta da roleta depois de 30 minutos presa, O tumulto começa a se desfazer com as pessoas entrando no ônibus, o trânsito lentamente voltando ao normal, a chuva começa a ir embora quando de repente seu Arlindo, ao pagar a passagem ao motorista, dispara.
- Você viu o estado deste trânsito? E dona Jane aí na frente? Viu a discussão aqui na fila e todo mundo reclamando? Já entendeu tudo né, por que você não está, e nem tem que estar, preparado pra essa dupla jornada instantânea. Então, estamos contigo , só depende de vocês.
Neste momento a cara de espanto do motorista já era esperada, e ele custou um pouco a captar a mensagem. Ficou um pouco zonzo depois que cobrou todos aqueles clientes, observou o trânsito livre, passou a primeira marcha e partiu com seu veículo parando em todos os pontos, cobrando, ficando zonzo e pensando na misteriosa frase desferida por seu Arlindo; - Só depende de vocês.
Que queria dizer aquele senhor? Estava certo?- Mas eu tenho medo de ficar bravo e reclamar, deve ser aquele sujeitinho, o Néo.
Passando toda aquela confusão e aquele dia de trabalho árduo, o motorista tentou, em vão, a missão de cumprir a mínima jornada de trabalho nas suas noites com sua esposa e decifrou, após o grande cansaço no seu quarto de muitos amores, a grande frase do seu Arlindo.
– É mesmo, só depende de nós!

Guilherme Zani

quarta-feira, 17 de março de 2010

A Completa contradição

O grande fato a ser desvendado nos tempos de hoje é a chamada “vivência da contradição” termo este que trata a contradição como o principal fator que atua diretamente: No cidadão comum, no chamado três poderes que engloba o executivo, o legislativo, o judiciário, e ainda colocaremos aqui o que chamamos de quarto poder, a mídia, que também é atingida pela contradição, mesmo estando esta responsável pela direção da orquestra do sistema por um todo. A contradição atua e alimenta o sistema, engana e deixa ser enganada, esconde e assombra as mentes sãs.
Comecemos pelo judiciário, este responsável por julgar as leis criadas e aprovadas pelo legislativo e sancionadas pelo executivo. Temos uma constituição federal que regra prioritariamente pela igualdade entre os cidadãos, e esta igualdade independe da situação econômica do indivíduo. Tomemos como exemplo mínimo um julgamento comum entre dois cidadãos que cometeram um crime de natureza grave idêntico sob todas as circunstâncias, um desses dispõe de bons advogados e recursos financeiros e ainda ocupa um cargo importante num órgão de segurança pública. O outro julgado será um trabalhador com a função de ajudante de obras e não dispõe de recursos para os custos do processo. De fato eles serão julgados e se for lançado um desafio para saber quem fica mais tempo preso a resposta está na boca do povo, o rico de repente nem preso fica e o pobre apodrece na prisão. Uma grande contradição que acontece diariamente no nosso judiciário, a justiça não é cega? Sabe-se que o Estado também é responsável por uma assistência jurídica ao cidadão que cometeu um crime ou similar. A pergunta é: As tais brechas que funcionam com os advogados particulares, por que não funcionam com o defensor público? É inexplicável. Quando se tratando da responsabilidade de julgar as atitudes dos cidadãos com intuito de cumprir as leis o sistema jurídico com sua dita justiça cega entra em contradição e deve ser revisto.
Falemos da mídia. Uma telenovela nacional exibida diariamente e vendida para diversos países mundo afora retrata um cotidiano na maioria das vezes surreal para um país chamado Brasil, tem-se executivos com carros importados, invisíveis nas ruas dos nossos bairros, brancos e brancas esbanjando felicidade e conquistas financeiras, negros e negras sempre interpretando escravos e empregadas domésticas, e os grandes temas que ditam regras que não nos convém direcionando o foco principal as intrigas causadas pela busca insaciável de dinheiro e poder. Agora eu pergunto: Esta é a nossa realidade? Sente-se como um desses personagens destas telenovelas?
A mídia além de atuar em contradição usa os métodos mais avançados para fazer com que as pessoas sigam sua doutrina, ou a do sistema que ela protege. As novelas e os programas estão em contradição assim como a seleção do noticiário jornalístico, o posicionamento parcial, as campanhas e eleições de políticos favorável a seu interesse e outros métodos de doutrina merecem menção por sua importância. O que esperar da democracia participativa?
A democracia é o sistema em que nos enquadram, porém o que julgam sendo democracia não corresponde com a nossa realidade. Os representantes do legislativo que tem como função criar e aprovar as leis e são eleitos pelo povo, ou seja, moradores de favelas e morros, pela classe média ditas ascendentes, descendentes e cognitivos e só, não há participação da elite e nem de empresas nas eleições(não no montante de votos válidos) e por que o legislativo atua em grande escala no favorecimento a estas elites e empresas e não em favor de quem o elegeu? Que grande contradição. Além do mais, políticos ganham as eleições financiados por estas empresas diversas, e vão legislar para o povo? As empresas defendem uma legislação favorável ao mercado onde atua, e para quem esses políticos legislam? O executivo tendo como sua principal figura o presidente da república, sanciona estas leis que não corresponde aos interesses da maioria. Por que não atua no amparo aos sem educação, saúde, emprego e bem estar social que são pilares constitucionais? Por que fazem lobby com empresas interessadas única e exclusivamente em lucrar passando por cima de tudo (inclusive das leis)?
A corrida eleitoral é o grande trunfo da democracia aclamando no decorrer do acontecimento ânimos políticos e sociais associando o voto como sendo o recurso legal máximo para a mudança no sentido de cada voto de cada cidadão representar um direcionamento político para determinado rumo, ou seja, em síntese o cidadão está elegendo um representante para levar adiante a discussão de uma idéia para conseqüentemente esta idéia tornar-se lei, uma lei que englobe as necessidades da comunidade por um todo, o que não corresponde com a realidade, os interesses defendidos são a favor do capital colocando-se o social em segundo plano.
O que ocorre de fato nas eleições é que o cidadão além de ser bombardeado por propagandas milionárias e falsos discursos elegem muita das vezes um candidato que lhe foi imposto pelo capital, imposto pelas suas campanhas corruptas e milionárias, por falta de opções e por mentiras cuspidas durante discursos nefastos. Estes mesmos candidatos entram nas favelas, vilas e passeiam nas ruas para pedirem ou comprarem votos dos cidadãos, usam o seu mandato para o favorecimento próprio ou de empresas que financiaram as suas campanhas contradizendo o seu discurso em prol do social e estrangulando a idéia de democracia participativa.
Por mais que tente resistir a este circo somos todos empurrados neste ciclo viciado e desonroso, nesta doença crônica que atinge esse sistema porco de competição, somos tentados a abdicar de princípios ou posicionamentos próprios em prol de uma globalização desumana e impregnante, somos postos a venda pelo preço que não aceitamos, somos obrigados a aceitar, temos que consumir desenfreadamente, temos que vestir o que não concordamos, sem perceber, estamos dentro de um buraco negro, cheio de gente em nossas costas, vomitando ideologias de uma minoria da qual não pertencem, somos enxugados e nos perdemos na escuridão sem fim. Por isso e muitos outros sou obrigado a discordar disso tudo, obrigado a gritar bem alto para todos que eu não quero entrar neste circo, neste carnaval de absurdos, nessa lama sem procedentes. Permaneço imóvel, observo sim, e concluo. Observo e concluo.

Guilherme Zani

domingo, 28 de fevereiro de 2010

27 de fevereiro de 1972

Amor,

Li no jornal sobre as homenagens que recebeu no dia da inauguração da Universidade Norte do Paraná. Que bonito, que orgulho de você.
Eu estou longe de me adaptar às novas mudanças. As manhãs são sempre muito nubladas e os vôos atrasam, irremediavelmente. As viagens são prazerosas, mas desgastantes. Ontem, a senhora que prepara minhas refeições, avisou-me dos riscos de assaltos, já que esta área da cidade está cada dia mais perigosa. Viajo e quando retorno é sempre já de madrugada. As ruas vazias, frias, russas. Essa senhora, cujo nome não consigo, por força alguma, guardar na memória, é uma pessoa que me assusta, por isso que não lhe dedico atenção.
Querido, por favor, continue cuidando das nossas flores, carinho, luz, água, fotossíntese, lembra-se?! Quanta falta seu abraço me faz.
Conte-me notícias de Alice. Sei que ela não está feliz. Um pouco difícil nas dadas situações que ela tem atravessado, não acha? Envio para você também matar saudades, uma foto dela, linda, linda. Linda e triste. Achei dentro do Talmud que nem sabia ter trazido nas malas... veja como Alice parece com mamãe.




Como você gosta de dizer: “Fibre de Verre”.
Mande um beijo para Alice em especial. Tenho sonhado com ela.

Saudades,
Lane

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

24 de fevereiro de 1972

Querido,
O dia hoje foi muito repentino. Logo pela manhã senti um mal estar tão sufocante, que me foi preciso tomar vários copos d’água para voltar à Terra. E bem. Bem, voltei ao dia como alguém que teve a oportunidade de se dar uma segunda chance. Fui à feira, lindos e grandes repolhos. Por aqui, tudo muito normal, sem grandes surpresas. Fui ao médico também, tudo bem. Ouvi uma música hoje saindo do apartamento daquele jovem estudante de matemática... meu amor, que música enérgica, alegre, ousada... Nós dois precisamos combinar de ouvir, escondidos no corredor do prédio, o som que aquele menino gosta.
E, encerrando por hoje, declaro-me muito e imensamente apaixonada pelo homem que acaba de ganhar um dos prêmios mais nobres da literatura mundial. Você é especial, a gente já sabia. Agora o mundo atesta a sua vocação.

Minhas sinceras felicitações.

Com muito afeto,

Lane

sábado, 30 de janeiro de 2010

Baseado em fatos surreais

Dia de sol, daquele tão quente que um ovo quebrado no asfalto frita em um minuto. Os crackudos como sempre no sinal, suando e assustados, pedindo e juntando as moedinhas até um total de cinco reais, que, quando alcançado, correm até a boca mais próxima e trocam a grana por uma pedrinha perigosa. O movimento na rua era normal, a quantidade de carros bem maior que a do ano passado, o ar também mais pesado, as pessoas, suadas, caminhavam na mesma pressa em busca de seus afazeres cotidianos, para o primeiro dia útil do ano, parece que as coisas mudaram, ou é impressão? O trabalho, pelo menos, é o mesmo: cheguei mais cedo , cumprimentei companheiros vizinhos, comprei o mesmo jornal de ontem, cheguei na loja e comecei a desenrolar a mesmice do ano passado. Conferir notas fiscais, abrir o caixa, conferir mercadorias, ler o jornal e começar a atender os clientes, coisa que eu mais gosto de fazer e, por sinal, o que me levou a escrever esse texto. Pois bem, o dia foi muito comum, se não fosse por um caso. Estava eu, por volta das 16 horas, conversando com um amigo de trabalho sobre o que realmente significa um ano novo, proseamos por um bom tempo... Seria o ano novo uma nova fase? Por que acreditamos nessa contagem de horas, dias e ano? Quem inventou essa tal contagem? As pessoas encaram isso como uma nova chance? Ano novo, vida nova? Discordamos, concordamos e quando enfim chegamos à conclusão final da discussão, entra uma mulher, por volta de seus 39 anos de idade, acompanhada de um filho, de mais ou menos 10 anos, e uma filha, muito mais esperta que o irmão, aparentando 15 anos. Até aí tudo bem. Observei a família e fui na direção para um possível auxilio.
–Boa tarde.
Foi o bastante para a mulher abrir o berreiro colocando sua mão no meu ombro e dizendo que queria comprar uma piscina. A menina passou a mão na cabeça da mãe e, tentando acalmá-la, falou para ela me mostrar a foto. A mulher tremendo e sem conseguir falar, sacou uma foto da bolsa e perguntou se eu conhecia o homem que estava na imagem, este um rapaz de uns 30 anos sorridente e com pinta de pagodeiro. Eu tinha certeza de nunca ter visto. Fiquei um pouco, quer dizer, muito sem jeito com toda aquela situação. Tentei acalmá-la, busquei um copo d’água e dei para a mulher que já sacava seu cigarro da bolsa. Uns trita segundos de tensão, sem saber o por que daquele choro, a menina foi devagar me perguntando se eu lembrava deste rapaz que teria ido na loja para comprar uma piscina e prometeu voltar mais tarde para fechar o negócio. Falei que lembrava do caso, porém só tinha falado com ele pelo telefone, foi daí que comecei a sacar o que provavelmente aconteceu. O homem tinha acertado que iria lá fechar o negócio e faleceu antes de consumar o ato. Matei a charada. Era isso mesmo que tinha acontecido, me recordei que o rapaz tinha marcado quinta-feira às quatro da tarde e não apareceu. Pensei que teria achado mais barato, pois diria que ia pagar a vista, poderia ter adiado a compra, mas não: ele morreu.
Tomou três tiros no mesmo horário que tinha marcado comigo, e a sua mulher, quer dizer, sua viúva, estava ali, agora, na minha frente, chorando muito, muito mesmo, chegava a gritar e tudo (!) querendo comprar a tal piscina que o marido, uma semana antes, tinha ido atrás.
Secou as lágrimas, levantou a cabeça, inspirou fundo e perguntou por uma piscina que ele tinha visto que custava mil reais e que era de fibra. Parei, pensei bem e respondi que na loja, a piscina de fibra daquele tamanho era no mínimo, pagando a vista, R$ 1500,00. Por mais que ela tenha dito que o falecido tinha passado o preço de R$ 1000,00, o valor era esse mesmo: R$ 1500,00. Tinha dado esse mesmo preço para o falecido e ele iria pagar a vista, por isso, o preço, já era com desconto. Expliquei tudinho e a choradeira começou novamente, dessa vez mais intensa, as lágrimas caíam incessantemente, por volta de um minuto, os sussurros da viúva dominaram o meu ambiente de trabalho quando uma frase intensa, tirada lá do fundo, me chamou a atenção.
–Nem tenho como ligar pra ele, defunto não fala mesmo, né? Como vou comprovar o que ele me disse?
Fiquei parado, estático, o que ela disse? O defunto não fala? Que coisa doida! O quê que ela tá falando? Aí é que complicou, daí em diante não soube nem o quê falar com a tal senhora, disse que o preço era aquele mesmo e que o máximo que poderia fazer por ela era não cobrar o frete. Não sabia o que achar daquela situação, é triste ou é engraçado? Por que dessa piscina no sétimo dia do falecido? Que doido! A mulher por sinal pagou, e pagou à vista, parou de chorar, entregou-me o dinheiro, marcou o dia da instalação e saiu com seus filhos com a cara um pouco inchada da quase overdose de lágrimas, com sua nota fiscal e seu novo cigarro aceso na mão direita. Olhei pela primeira vez para meu colega de trabalho, seus olhos arregalados para cima de mim (assustado é lógico), num tom sereno de alívio comentou nossa conclusão sobre o significado do ano novo:
–Nada mais que um dia após o outro.

Guilherme Zani