terça-feira, 6 de outubro de 2009

Tutu, o rei!

-Quem num quer ter um bom patrão?

Numa mesa de bar, com belas mulatas, samba e sinuca é onde me aprofundei no misterioso caso que parou o grande centro de uma cidade muito grande, povoado por aproximadamente 200000 mil habitantes.

-Desce mais uma aqui na mesa Raimundo!

Benedito sabia de tudo, morava na comunidade ha pelo menos 30 anos e participou como observador, e ainda crítico, de todos os acontecimentos exóticos da favela, entre eles; o uso de drogas,crianças armadas, espancamentos, brigas e ainda chacinas, torturas, covardias, guerras de facções, epidemias, demolições de casas em massa, já presenciou e criticou a omissão do estado na comunidade como a falta de escola, de moradias adequadas, de segurança, de lazer, de saneamento, enfim, um sujeito bem informado que conhece como a palma de sua mão o local onde vive e diz se relacionar com noventa e cinco por cento do “povo do lugar” como costuma dizer.

-Benedito bem que me disse que igual a ele nunca teve!

O grande ponto de partida se deu numa tarde de inverno,quando as pessoas chegavam do trabalho, um movimento retilíneo, e não uniforme, de uma gente feliz necessitando de prosear o cotidiano comum. Tutu estava lá. Depois de conquistar a chefia das bocas de fumo no lugar, o ainda desconhecido Tutu, distribuía cobertor pra quem estivesse sentindo frio no inverno, se apresentava para todas as pessoas do bairro e dava algumas dicas de como seria daqui por diante. Tomou medidas imediatas; proibiu moradores da favela de assaltar transeuntes e lojistas no entorno da comunidade, dizia que a polícia não entrava se ninguém for roubado ali por perto; traçou uma relação com lojistas da região praticando uma troca de favores; criou um baile que funcionava uma vez por semana, sempre lotado atraindo clientes para os negócios; criou uma relação sadia com a polícia local em troca de subornos semanais, a venda não podia parar de funcionar, pelo menos sem prévio aviso. Foi assim durante muito tempo, acumulou armas, poder, mulheres, filhos, amigos, inimigos. Com sua visibilidade e sua influência na comunidade era constantemente procurado por políticos que buscavam sua ajuda para se eleger, Tutu articulado, consegue um pouco de votos pra cada um, deixando feliz todos e aumentando ainda mais a sua influência, agora até na política. Tutu já era o rei. Datas comemorativas não faltavam presentes para a criançada, natal, dia das crianças, Cosme e Damião, qualquer coisa era motivo para festa. Possuía como todo líder um lado negro, e isso ele não escondia de ninguém, os seus inimigos morriam na frente de qualquer um, não se sentia mal em matar na frente de uma criança ou de uma senhora, matava pois dizia que tinha muita gente ruim no mundo, matava por prazer da vingança, matava por ódio, por orgulho, tudo era motivo de acertar as contas, o que era dado com uma mão, parecia ser tirado com outra, mas a comunidade pra ele era o bem maior e Tutu não a toa chegou onde chegou. Carismático, passeava pela favela com alguns seguranças contando piada e conversando com os mais velhos, inclusive Benedito, dizia que ele era o nordestino mais animado do pedaço e sempre o chamava de aliado 1.

-Mas tem que sair entrando e atirando? Que mania!

Depois de muito tempo de liderança parece que o bandidão que a cada dia fica mais famoso vai continuar sendo procurado pelos agentes do Estado. Tutu passeia livremente pela comunidade, sempre armado, a polícia não tem interesse em matá-lo, ele é lucrativo, é um bom negociante e assim vai sendo durante anos quando numa manhã fria de inverno aproximadamente 5 horas de domingo tiros são escutados e mais tarde se tem a noticia materializada na calçada de uma viela da favela, com 6 tiros pelo corpo daquele que parecia ser o eterno pai da comunidade, Tutu, estirado no chão, morto por uma equipe cruel da polícia militar, julgado e condenado sem burocracia com mais 3 comparsas também julgados e condenados, julgados por um exército de soldados e condenado a morte pelos mesmos soldados.

-Que nada, aqui é da ou desce, eu já sabia que teria um dia!

Amanhece carente a comunidade, revoltados os moradores se reúnem e tentam um ensaio rebelde, não conseguem. Dúvidas pairam no ar. Acontece que ninguém esperaria um final assim tão rápido ao querido Tutu, últimos grandes nomes do crime foram homenageados com ônibus excursionando aos cemitérios, com vigília na favela, fogos, lembranças e tudo mais, todos sabiam que algo estava pra vir. E foi assim. O luto silencioso teve fim na fria manhã de inverno de segunda feira. O movimento saiu para as ruas do centro. Armados, os comparsas tristes com o assassinato de seu líder saíram em bando, montados em motos, carros e a pé espalhando o medo, fecharam comércios, atiraram para o alto, quebraram algumas vidraças dos que se recusaram a fechar suas portas, atiraram em cabines policiais, exigiram que as pessoas não saíssem na rua durante 5 dias, espalharam panfletos com estas exigências, se mostraram organizados, houve alguns conflitos pela cidade com a polícia, alguns mortos, ruas fechadas, pânico total em plena segunda feira, caos.

-Rapá, essa porra da um livro!

Após uma noite tensa para a população da grande cidade a terça-feira incerta amanhece obscura e ainda fria, pessoas comentam e medrosamente saem para o seu trabalho, crianças se direcionam as escolas, os ônibus da cidade rodam normalmente, aparentemente paz. Após o almoço quando o primeiro caso aconteceu, um bando invadiu uma escola amarrou a diretora colocando um bilhete na sua boca alertando para o descumprimento do luto imposto pelo grupo. Assim aconteceu com o diretor de um hospital, um bancário, lojistas, motoristas de ônibus, trabalhadores em geral, todos amarrados com o mesmo bilhete de alerta máximo. Caos! Quando tudo parecia que tinha acabado, estava apenas começando agora. Depois de uma terça ameaçadora o número de policiais nas ruas de quarta feira triplicou, em toda manhã via-se polícia, mas a população estava reduzida a 40%, nem todas as lojas estão abertas e o medo parece que toma conta da cidade, via-se muito papel no chão nesta quarta e esses bilhetes posteriormente perceberam que eram mensagens dos comparsas do falecido para todos continuarem o luto até as 5 horas de sexta feira e as lojas que estão hoje abertas amanhã estarão saqueadas. O medo invade os corações desacreditados, na quinta, com agora 90 % do comércio fechados há uma tentativa de intervenção federal para colocar a cidade para funcionar, tentativa frustrada, quando não se via nem bandido, nem pessoas nas ruas não tinha muito o que fazer, apenas esperar o fim do luto imposto.

-Pela primeira vez eu tirei férias daquela loja maudita!

A sexta-feira era de expectativa, as pessoas estavam ainda amedrontadas, havia um certo pensar universal, as aflições queriam ser colocadas para fora e a prisão imposta pelos comparsas de Tutu à classe média inclusive, efetuaram um efeito raro que tem de ser estudado. As pessoas sentiam necessidade de segurança, o medo foi espalhado literalmente na cidade, por mais que a calmaria da manhã de sexta possibilitava uma esperança de que tudo aquilo iria passar logo mais, as 17 horas. As pessoas se amedrontavam por nada, ou quase nada. Havia casos de infarto por susto, uma epidemia de síndrome de pânico afastou as pessoas do centro comercial, a casa agora era o principal refúgio e o assunto que pauta o tempo era o dia a dia assustador ,a falta de segurança total e se algum dia tudo voltaria ao normal. Na favela de Tutu o descontentamento era universal , era fato simples rodas de amigo comentando o que seria da favela agora sem o “paizão”, dúvidas de quem seria o novo chefão do local aterrorizava os moradores, surgia um medo nunca visto antes dentro da favela, medo de o chefão ser o famoso Tripeiro, um sujeito cruel e corrupto que não está tão voltado assim para as causas sociais dentro da favela.

-Que nada, o prejuízo foi todo nosso!

O relógio batia as 16:00, faltava uma hora para o término do caos e situações estranhas começaram a acontecer. Numa determinada rua do centro aconteceu um arrastão, não um arrastão comum,com roubos e furtos, era na verdade uma caminhada de mais ou menos 300 pessoas que vestiam preto e usavam botas, ninguém soube identificar o que realmente eles queriam, as pessoas diziam não conhecer a turma que participava da caminhada, mais tarde, os curiosos saíram para as ruas buscando alguma esperança de que tudo voltaria ao normal, voltou. Exatamente as 17:00 apareceram bilhetes espalhados pelas ruas, a mensagem que os folhetos traziam era de paz e prejuízo, um balanço final foi feito pelos traficantes, o sucesso era total, o luto trouxe algumas mortes, confusões, brigas, porém para eles o tempo agora era de paz, agora, depois das 17hrs o Estado poderia tomar conta da cidade. Pelo lado do Estado o noticiário da TV a nível nacional relatava os 5 dias de caos e omissão dos órgãos de segurança, o prejuízo contabilizava pouco mais de 1 bilhão, as pessoas, medrosas, ainda hesitavam em sair de suas casas, os órgão públicos voltaram a funcionar em caráter de emergência desde o término das sanções imposta pelos mafiosos, os bancos eram os únicos que estavam ainda fechados devido ao horário impróprio para o retorno a rotina, lojas estavam abrindo a noite para compensar o tempo que perderam fechadas, escolas já articulavam horas extras para colocar em dia a matéria, escritórios, transporte, hospitais, tudo foi se normalizando, agora nesta mesa de bar sexta-feira, pós o caos, parece que para as pessoas, tudo vai acabar amanhã, observo os corações afoitos, com sede de vida, e de cerveja, comentando sobre os últimos acontecimentos, relembrando histórias, criando relações, voltando ao cotidiano numa noite de sexta, como tinha que ser.

-Ainda bem que foi rápido, mas acho que valeu a pena.

Guilherme Zani

Um comentário:

  1. Espero que todos nós estejamos vivos para assistir as tão esperadas olimpíadas,pois
    se nenhuma bala perdida não nos atingir e
    nenhum assaltante nos matar, é assistire-
    mos ou não né, poeque qem vai conseguir -
    pagar os ingressos que devem ser caros pra
    chuchu, é vamos rezar para o Brasil até lá
    nao ter um presidente yanke.

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